terça-feira, 20 de novembro de 2012

Maluquinhos à solta



Foram dois dias duros. Sexta e sábado no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Dois dias para tentar fotografar alguma coisa de jeito no único parque nacional que Portugal tem. Dois dias para respirar e transpirar fotografia. Dois dias para estar em contacto com a natureza. Ou melhor, ser engolido por ela. Há dias "difíceis"...

Esta viagem estava programada há anos. Sabia que tinha de acontecer. Só não sabia quando. Foi agora. Tinha de ser agora.

O "grupo" era para ser maior. Por esta ou aquela razão, que não interessa para o caso, ficou reduzido a dois. Dois gatos pingados - eu e o Nuno Rodrigues - para registar o outono no Gerês. Tanta vez conversa, agora convertida em realidade. Mochila pronta e pés ao caminho.

Não me perguntem a razão. Mas tinha a ideia de que o Gerês ficava mais longe. Tão longe que podia adormecer pelo caminho. Ou nunca mais lá chegar.

Mas afinal não. Está ali, ao virar da esquina. Pelo menos para mim, que liguei a ignição do carro em Coimbra e não em Vila Real de Santo António.

A previsão do tempo para o fim de semana escolhido parecia querer brincar connosco. Ora ia estar assim. Ou estar assado. Num dia aparecia chuva, no outro sol. Parecia perguntar: cara ou coroa? Não gosto de jogos de azar.

O que nós queríamos? Se lhe disser que queríamos nevoeiro e até aquela chuva molha-tolos, acredita? Pois, foi o que pensei...

Para melhorar ainda mais os resultados - já de si sofríveis, mas isso já são outros quinhentos -, podia conjugar-se um amanhecer com nevoeiro e um pouquinho de sol, que conseguisse trespassar parte dos seus raios e oferecer-nos momentos sublimes para a fotografia.

Sim, pedir não custa nada. Absolutamente nada. Só que uma coisa é querer. E outra bem diferente, é ter. Mas como o meu amigo Nuno diz, "temos que 'trabalhar' com a luz que temos". Como eu odeio esta frase.

Sexta-feira, terminado o almoço, cedo, lá fomos à procura do que fotografar. E esta frase é quase uma piada, porque o que não falta são coisas para fotografar. Bem vistas as coisas,  não precisamos de procurar. Basta dar um pontapé numa pedra.

Durante o almoço começámos a reclamar. Estava muito sol. Vejam só, muito sol. Nuvens, algumas, mas nada que nos espantasse. Parecíamos dois velhos rezingões. Queríamos, a toda a força, nevoeiro ou chuva. Mas não muita, se faz favor.

Resumindo: parecia conversa de maluquinhos. E talvez fosse. Talvez sejamos.

Chegamos à entrada da Mata de Albergaria. Estaciono o carro. Salivamos. Se a entrada promete, como será o prato principal?!

Mochilas e tripés para fora da mala. Botas calçadas. Tudo a postos para fazermos o que mais gostamos: fotografar. Somos mais uns maluquinhos da fotografia. Parece-me bastante saudável, que pensem assim.

O silêncio ouvia-se e fazia-se sentir. É bom estar no meio da natureza. De repente... uma voz descontrolada, ou nem por isso, rasga este silêncio. Não para. Grita. Exalta-se. Grita.

Era só um pastor e as suas vacas. Este era acompanhado por um homem mais novo e por uma senhora. O jovem corre "freneticamente", qual Usain Bolt, para controlar uma vaca que ganha vontade própria. Ia caindo. A vaca.

A vida no campo afinal até que é agitada. Onde é que está a calma que tanto apregoam?

Meto conversa com a senhora. Esta responde. Digo que ainda são muitas vacas. Responde-me: "São umas 33".

Umas??!! Bem, quero acreditar que a senhora saiba efetivamente quantas anda a "passear".

Decido não tirar a típica foto à vaca. Decido-me por um panning. Como nos automóveis. Só que sem rodas.

Umas das fotografias quase que dava uma obra de arte. Mas, afinal, parece que se fica por um borrão na tela. Não está má de todo, mas parece que ainda não é desta que vou deixar a minha marca no passeio da fama.

Seguimos caminho, pela estrada fora. Sempre a reclamar. Sempre a protestar com S. Pedro. Um quilómetro. De outono ainda muito pouco. Uma brisa. Uma folha aqui e outra acolá. Dois quilómetros e mais uns passos. Agora sim, lá começam a surgir as árvores com as folhas amarelas, e castanhas, verdes, alaranjadas.

E muitas folhas no chão. Que linda tapeçaria nos é oferecida pela mãe natureza. Viro a máquina para tudo o que é sítio. Mas não registo nada. Vou vendo o que ela vê. Como ela vê. Que é diferente de como nós vemos.

Aqui e ali vou descobrindo um motivo para fotografar. Subo as pernas do tripé, para logo a seguir baixar. Rodo a máquina para a posição vertical, para logo voltar à horizontal. Verifico histograma. Tento compor com cuidado, com equilíbrio. Tripé firme, foco efetuado, carrego no comando remoto e registo o cenário. O som do obturador rompe tudo à sua passagem. É poético...

Saímos da estrada para tentar alcançar outras vistas. Mais curtas, mas igualmente belas. As folhas reclamam à nossa passagem. Mas é música para os meus ouvidos. Mais um registo aqui e outro ali.

Voámos mais de três quilómetros, com muitas paragens para sentir e registar o que víamos. Mas a sensação de que o melhor ainda não tinha sido visto tomava conta de nós. Mas estava a ficar tarde e queríamos ver o pôr do sol ao Miradouro da Pedra Bela, uns quilómetros afastados de onde nos encontrávamos. Estava na hora de regressar ao carro.

Foram quase quatro quilómetros a subir. A pé. Carregados com equipamento. Estou velho de mais para isto. Nós últimos metros comecei a ver uma multidão a aplaudir o nosso esforço. Estava apenas a começar a ter visões...

O final do dia, que até então até prometia alguma coisa, saldou-se num autêntico flop. As nuvens, queridas amigas dos fotógrafos, fugiram para bem longe - soubemos, à noite, que tinham ido para o lado de Cascais e arredores, a avaliar pelas fotografias que amigos colocaram no Facebook.

O sol pôs-se. Não havia nuvens que agradassem. O dia estava terminado? Nem pensar! Ainda faltava algum tempo para o jantar. Próximo destino: ver o que dava para fazer com as pontes que cruzámos quando entrámos em Vilar da Veiga, a poucos quilómetros da Vila do Gerês, onde estávamos.

Chegámos. Está frio e já um pouco escuro. Mas, nesta condição, a máquina consegue ainda ir buscar um pouco mais de luz, do que aquela que os nossos olhos absorvem. Carro estacionado, casaco vestido, mochila e tripé para fora da mala. Mais uma vez.

Está escuro. O frio enrijece as mãos. Mas o prazer é maior do que a dor. Olhamos à volta e a vista para norte destaca-se do restante. Máquina apontada, cabo disparador ligado, objetiva escolhida. Passa um carro. Passam dois e três. E mais um e quase que consigo adivinhar o pensamento dos passageiros. Sim, os maluquinhos da fotografia voltam a atacar.

Aproveitamos para registar as estrelas. Paradas e em "movimento". Para a primeira situação, ISO mais elevado, tempo não superior a 20 ou 30 segundos. A partir daí começa a notar-se o rasto das estrelas. E o que se pretende é apenas ver os pontos brilhantes no céu. Duas ou três fotos depois, duas ou três composições testadas e temos algumas imagens que agradam. Que nos agradam.

Agora em movimento. Abertura nos f/5.6, ISO no mínimo, foco feito e passado para manual, composição feita e uma exposição de... 15 minutos. Podia ser mais um pouco. Um pouco como, talvez, meia-hora. Ou mais. Pouca coisa.

Quinze minutos depois e muita conversa deitada fora, eis que surge a imagem no ecrã da máquina. O arrasto está lá. Ficou bom. Gostei do resultado. Optei por uma composição horizontal e tenho metade do círculo do arrasto. O Nuno preencheu o ecrã na posição vertical. Ficou com o círculo completo. O nosso portefólio já tem estrelas. Mas não são estrelas...

Satisfeitos, fechámos o dia 1. Jantar. Regresso ao hotel e analisar o "trabalho" do dia.

Mas os maluquinhos ainda vão voltar a atacar. Informo na receção que temos intenção de sair por volta das... 5h30! Sim, da manhã, reafirmo. Olham para mim com aquele ar de, "coitado, não deve estar a falar a sério...".

A senhora, amável, decide ser simpática e deseja-nos um dia igual ao que tinha sido aquele. De preferência com sol, para podermos fotografar. Digo que o que pretendemos é exatamente o contrário. Que vamos para a serra, ou Mata, àquela hora, para ver se nos é oferecido nevoeiro. O ar de espanto ultrapassou o balcão. Não nos chamou malucos assim, diretamente, mas acho que pouco faltou. Até poderia ter razão.

Depois de encostar a cabeça na almofada para descansar, toca o alarme do telemóvel. Já?!! Nem pestanejo - difícil com os olhos fechados - e visto-me enquanto o diabo esfrega o olho. O Nuno também está quase pronto. Saímos porta fora pouco passa das 5h45.

Chove lá fora. Nevoeiro, nem vê-lo. Está tudo molhado. Só se ouvem os nossos passos e a chuva a cair. As luzes ainda estão ligadas. É cedo. Somos só nós e... o carro do padeiro. Um trabalhador e dois maluquinhos.

Avançamos estrada fora em direção à serra. Em direção à Mata de Albergaria. Não se vê ninguém. Está escuro. Aliás, está para lá de escuro. As luzes do carro orientam-me nas curvas. Vou cauteloso, mas ao mesmo tempo empolgado. Como irá amanhecer?

Finalmente chegamos. Chegamos à Portela do Homem, à fronteira com Espanha. Ainda está de noite, mas a claridade no céu já se nota. Aguardamos dentro do carro. Chove bem lá fora. Avisto vultos refletidos no espelho de água que está o chão. Um, dois, três. Aproximam-se. Não consigo ver quem, ou o que é. Ainda está escuro e nós ali, no meio da Mata. Que maluquinhos...

Afinal são cavalos, ou garranos. Estão curiosos, mas afastam-se para comer. A luz do dia começa a surgir. Chove menos e vislumbramos nevoeiro no topo das serras. Decidimos ver a ponte que passa por cima do rio Homem. Não me consigo conter e tiro o material do carro. Está a chover novamente. A máquina e objetiva já estão molhadas, mas se a marca diz que podem suportar alguma água, nem paro para pensar.

O Nuno retrai-se e apenas usa o telemóvel. Eu gasto cerca de dois minutos a fotografar. Em duas ou três fotos com sensivelmente 30 segundos de exposição. A lente da objetiva fica molhada e decido parar para limpar. Estou satisfeito com o que acabei de registar. Entretanto, os cavalos seguiram-nos e miram-nos. Pensarão o mesmo, de nós, que muitas pessoas? É o mais certo. O Nuno fotografa-os. Eles assustam-se e batem em retirada. Não estão para aturar maluquinhos da fotografia.

Depois lá seguimos nós, mata fora. Mais paragens em todas as estações e apeadeiros. Tira material, guarda material. Continua a chover. Não muito, mas o suficiente para deixar tudo molhado. Passa um carro. Dois. E lá continuamos nós na rua, debaixo de água. As pessoas olham. E voltam a olhar.

E nós também. Mas para a beleza que muitas delas estão a perder. Acham que viram. Mas se calhar não viram bem. Nem nós, mas pelo menos tentámos. Ou vamos tentando.

Chegámos à entrada e verificamos que não nos cruzámos com uma única ponte de madeira. Não podia ser. Analisamos algumas notas de viagem que anotámos antes de partir. Não nos vamos embora sem encontrar o que queremos. Inverto a marcha e lá vamos nós, de olhos bem abertos. A chuva, essa, continua a cair. Umas vezes mais, outras menos.

E como quem procura, encontra, lá estava o que tanto queríamos. Pontes de madeira. Num local digno de filme, pelo menos com o ambiente que nos rodeava. Água, humidade, verde, pontes, montanha, neblina. Entre registos somos obrigados a limpar as objetivas. Mas nada que nos faça parar. O local é bonito demais para nos fazer sair de lá. Mais uma vez, só nós e a natureza. E os carros, lá mais em cima, a passar. E, quem lá vai, a pensar que vê...

Por mim, se tivesse acabado ali o dia, estava satisfeito. Já tinha o que queria. Fotos de que gostava. E, para mim, é o que basta.

À saída, pelas 9h30, estão a chegar outros companheiros de hobby. Outros maluquinhos. Que, a avaliar pela hora a que estão a chegar à Mata de Albergaria, devem estar num estado mental já mais saudável do que o nosso.

Regressamos ao hotel para tomar o pequeno-almoço e um banho. Fazer check-out e "descobrir" outros locais. No caso, a Cascata do Arado e do Taiti.

Na primeira a paisagem deslumbra. Numa ou outra zona tem semelhanças com algumas áreas do Canadá. Linda, inspiradora, fotogénica. Pelo menos aos nossos olhos. Aos olhos dos maluquinhos.

Apontamos para um eventual regresso ao local ao pôr do sol. É merecido.

A cascata é imponente, mas difícil para fotografar. Terá que ficar para outra altura, para outra visita, para outro momento. Material de volta à mala do carro, que o Taiti (ou melhor, a cascata) espera-nos.

O sol vai querendo começar a dar um ar da sua graça. Não era bem o que pretendíamos, mas não há nada a fazer. Encostamos o carro e voltamos a subtrair o material fotográfico da mala. Pode parecer de maluquinhos, mas acaba por dar um enorme gozo saber que estamos a um passo de mais um momento fotográfico. Mesmo que o resultado depois seja sofrível.

Quando estamos de partida chega mais um fotógrafo. Não, mais dois. Afinal são três, quatro, seis, oito. Uns dez, para ser conta certa. Sim, tudo a transportar máquinas, tripés, mochilas, sorrisos, vontade.

Se há coisa que me limita quando estou a fotografar, é a fome. Não consigo raciocinar. Tento, mas é mais forte do que eu. Já não consigo olhar para onde quer que seja e ver uma pena de frango, um bife de vaca, um bacalhau com broa. Não vale a pena, tenho que abastecer.

O almoço foi perfeito, obrigado. Estava delicioso, ou eu com muita fome. Acho que as duas coisas. Estamos prontos para mais uma tarde de ação fotográfica.

Destino: de volta à paisagem da Cascata do Arado e esperar que o pôr do sol se faça em beleza. Os ponteiros avançam no relógio e começamos a ver que o mais certo é sairmos do local frustrados. Mas decidimos aguardar.

Mais umas fotografias para encher cartão e posicionamo-nos na ponte para finalmente ver o que vai acontecer à frente dos nossos olhos e câmaras. Algumas (poucas) pessoas já estão a ir embora. Enrolam-se na roupa. Começa a ficar fresco, frio.

Os obturadores começam a trabalhar. O final de dia não está como queríamos, mas também não é de deitar fora. As exposições começam a prolongar-se cada vez mais. Os poucos segundos passam a cada vez mais. A diferença de luz entre o céu e a terra já é grande. Os filtros gradientes podem ajudar se bem usados. Caso contrário, com as árvores a cortarem o horizonte, o mais certo é ficarem com as pontas muito escuras. Há que ter cuidado. Ou recorrer a várias exposições e depois juntá-las no computador.

Estamos a terminar. Três pessoas passam por nós e o mais novo mete conversa. Respondemos. Por fim deseja "boas fotografias". Respondo que essa será a parte mais difícil e discutível. Responde "não acredito, com esse material..."

Ou seja, andei tanto, esforcei-me, subi e desci, transpirei, apanhei chuva e frio quando, na realidade, bastava ter mandado a câmara, o material sozinho. E depois os maluquinhos somos nós...







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