quarta-feira, 5 de setembro de 2012

As dores da fotografia



Atenção! Este artigo pode conter descrição de cenas demasiado arriscadas que não deve tentar imitar.

Todos os que fotografam, profissionalmente ou não, têm histórias para contar. Umas divertidas, outras nem por isso. Faz parte do ofício. E se afirmasse que são ossos do ofício, não andaria muito longe da verdade, já que a fotografia tem potenciado quedas mais ou menos violentas, algumas fatais mesmo. Toc, toc, toc, mais vale bater três vezes na madeira...

Vem isto a propósito do que me aconteceu nas férias. Ou melhor, num dos dias que escolhi para fotografar o pôr-do-sol, na Zambujeira do Mar.

O fim de dia de praia aproxima-se. Consulto a tabela das marés e do pôr do sol e tudo se conjuga numa sintonia perfeita. A maré estará a vazar por volta dos últimos raios de luz. Está na altura de sair da praia e ir buscar o equipamento fotográfico.

Durante o dia passo, através das rochas, da praia principal para uma pequena enseada, à direita. Com cuidado para não escorregar. Acompanhado da família, tudo corre bem. As pedras estão secas, mas não dá para arriscar. Decoro o caminho que devo tomar mais tarde... em vão, como se verá a seguir.

Abro o carro, retiro a mochila e tripé. Não há muitas nuvens, mas não vale a pena reclamar. A luz está a ficar muito interessante. Começo a entusiasmar-me. Desço novamente à praia e acelero o passo para me posicionar. Decido não levar qualquer calçado. Nem botas (que não casariam muito bem com o meu traje de banhista), nem tão pouco os chinelos. Fui assim mesmo. Descalço. À macho!

Na praia já tenho um companheiro de fotografia. Não conheço, mas já está posicionado junto à água, na praia principal, com a câmara no tripé e suporte de filtros. Não tenho tempo para meter conversa. Avanço em direção à tal pequena enseada, que acabava de ser “lavada” pelas água do Oceano e que reluz como o chão de um palácio.

Com o tripé numa mão e mochila às costas avanço por entre as rochas, até que decido não seguir pelo caminho mais seguro e atalho subindo para uma plataforma de rochas... brilhantes, escorregadias. Estou descalço, não esquecer. E foi exatamente o que me aconteceu. Esqueci-me deste pequeno (ou grande) pormenor. Dou dois passos e na cabeça estrebucha um pensamento: “isto não foi boa ideia!”.

Aliás, deveria ter escrito, ideiaaaaaa. Segundos depois estou a apreciar o céu, na posição deitado. Foi um tombo valente. Bati com o tripé e o cóccix nas rochas. O tripé é de carbono, mas o meu fundo de costas não. Mas podia ter sido pior se:

a) não tivesse a mochila às costas a proteger-me de alguma forma;
b) levasse a máquina montada no tripé;
c) depois das rochas existisse um precipício em vez de areia molhada;
d) não conseguisse pelo menos uma fotografia em condições.

Ou seja, o acidente está ali ao virar da esquina. Um passo em falso e podemos sofrer na pele as consequências de descuidos. Foi apenas mais uma lição, entre outras, que aprendi e que me ajudará no futuro. Outros não tiveram tanta sorte, no meio do azar.

Para conseguirmos a tal fotografia muitas vezes nem pensamos no que estamos a fazer, como nos estamos a posicionar, ou onde nos colocamos. O que interessa é conseguir transpor para o cartão de memória o que os nossos olhos veem. Cada vez é mais comum ver companheiros na ponta de arribas, com água pelos joelhos, junto a mares e marés traiçoeiras, no meio da estrada. Hoje tudo corre bem, mas amanhã?

Depois de me levantar, a custo, fico com receio das horas seguintes. Como iria evoluir o traumatismo? Para já tenho uma dor relativamente forte, mas consigo mexer-me bem. Por isso, limpo a areia do corpo e começo a expor. Afinal, não estou partido... O pôr-do-sol, com a luz a refletir na água e nas rochas, serve como um paracetamol.

A família, ainda na praia à minha espera, não suspeita o que me aconteceu. Está descansada. Ou aparentemente, como já me disse por várias vezes a minha mulher. Conto o que me sucedeu há minutos e noto preocupação. Parece que cada vez que saio para fotografar é este o sentimento dela. Provavelmente o de todas, sejam mulheres, namoradas, ou mães. Se até sou um tipo mais ou menos cuidadoso, ainda vou ter de o ser mais daqui para a frente.

Desta vez driblei o azar, ainda que com uma rasteira pelo meio. Mas ele anda aí, à espera de um descuido. Nunca se esqueça disto.



PS: Ah, quase duas semanas depois, ainda tenho a região (muito) ligeiramente dorida. Obrigado pela pergunta e pela preocupação...

3 comentários:

  1. Perto da emoção, longe do perigo, meu velho ;)
    Era assim nos rallyes, assim seja na fotografia. Abraço e melhoras. PJD

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  2. Estas histórias nunca são de mais contar! Gostei das fotos ;)

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  3. Ehehehe.. a vida de artista não é facil.. eheh Quanto mais de tirar fotos...
    Não é pegar na máquina e clicar... eheh para realizar fotos fantasticas como a que tens... tens que por em causa levar algumas quedas.. eheh

    Muito giras as fotos... mas depois o que achei interessante foi a tua pequena aventura descrita ao pormenor... quase que nos leva a imaginar estar ali ao teu lado ver-te cair...

    Um grande abraço

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